As empresas e os ODS

Fernanda Cabral
9 min readSep 27, 2021

No dia 16 de setembro realizei, mais uma vez, uma palestra de sensibilização sobre os ODS, os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, em parceria com a Rede Brasil do Pacto Global da ONU. O Pacto Global é a organização do sistema ONU responsável por mobilizar o setor privado e outras organizações na direção da Agenda2030, buscando influenciar os negócios para que sejam construídos incorporando esses objetivos em sua estratégia. Grande parte do desafio envolve aproximar essa Agenda dos colaboradores das empresas como um todo, extrapolando as fronteiras das áreas de sustentabilidade ou marketing, onde costumam primeiro ser conhecidos e considerados. É aí que eu entro.

Essa palestra que realizo passa pelo contexto de surgimento da Agenda 2030, o que são os 17 objetivos, o grande senso de urgência em agir na sua direção com seriedade e ambição, a importância da ação individual (na vida e no trabalho) para alcançarmos essas metas e a importância da imaginação para conseguirmos dar vida ao novo, para além das projeções e previsões de catástrofes que se anunciam. Falo o que vivo e acredito: que todos podemos ser protagonistas da construção desse futuro radicalmente diferente ou seguir, muitas vezes sem consciência, aprofundando problemas. E também que as grandes empresas, todas elas, detentoras de poder econômico (circular de recursos financeiros), poder científico (acesso às tecnologias, pesquisa e inovação), poder de recursos humanos (com profissionais muito qualificados em áreas diversas) podem e devem fazer muito por essa Agenda, assumindo responsabilidade pelos impactos negativos que geram e transformando-os em impacto positivo para as pessoas e para o planeta. Até os investidores e o dinheiro estão agora olhando para isso;não à toa a tal sigla ESG se torna tão repetida por aí... Considerar o desenvolvimento sustentável em sua estratégia é vital para todas as empresas que querem se manter relevantes e na escolha das pessoas. E evoco mais uma vez a importância da ação individual dentro desses espaços, de cada colaborador, já que empresas nada mais são que um coletivo muito bem organizado de pessoas.

Foi o que apresentei na semana passada no evento online realizado pela Chesf, uma das maiores concessionárias de eletricidade do Brasil, para seus colaboradores. Me alegrou muito a oportunidade de compartilhar ideias, vivências e conhecimento em uma empresa tão relevante e de um setor tão estratégico e profundamente conectado com os objetivos de desenvolvimento sustentável (muito além do objetivo 7 que explicita a busca por energia limpa e acessível) e tão conectado com os desafios do agora (crise hídrica e energética que vivenciamos).

É sempre um pouco esquisito fazer palestra online, sem ver o rosto de ninguém e saber como estão sendo recebidas as informações que compartilho… Mas foram tantas e tão boas perguntas que vieram na sequência da conversa, que não me deixou dúvida sobre a qualidade da troca que tivemos e sobre a existência de pessoas lá dentro realmente capazes de fazer a mudança acontecer!

O tempo, recurso escasso, acabou fazendo com que algumas perguntas fossem respondidas por email. São pertinentes não apenas ao universo da Chesf e por isso, com a intenção de ampliar a conversa, as compartilho abaixo.

Palestra: O que a sua Empresa pode fazer pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

PERGUNTAS

1. A ideia geral me parece muito boa, mas as empresas, países e governos realmente têm aderido a ela e a cumprido? Existem dados estatísticos sobre isso? Como fazer essa “roda” funcionar de fato?

A verdade é que ainda muito pouco. A maior parte das organizações parecem estar mais prontas para falar do que fazem de bom, dos projetos com resultados positivos que assumir responsabilidade e fazer mudanças para diminuir ou zerar impactos negativos. Há algumas organizações focadas em indicadores, como a Portal ODS, que traz os dados de todos os municípios do Brasil, por ODS. Desconheço uma tecnologia assim de comparação de indicadores de empresas, mas já ouvi sobre um projeto que faria isso. Penso que pelo fato de a adesão ser ainda baixa é que o Pacto Global enfatiza tanto a ambição.

Manter a roda girando é o grande desafio. Para mim foi importante saber que existe um plano frente a todas as previsões de catástrofes que se anunciam, que está mobilizando na prática milhares de pessoas pelo mundo, saber que existe um futuro radicalmente diferente sendo construído. Eu senti o chamado de ser parte dessa construção. Penso que é importante falar que os ODS existem, o porquê deles existirem, a urgência de ação agora para mais pessoas também saberem disso e se colocarem também como parte dessa construção. Penso que é importante as pessoas conhecerem os bons exemplos e as referências que mostram que o novo é possível. Acreditar e fazer o desafiador que é transformar eu mesma, onde eu estou, minhas escolhas. Porque manter a roda girando depende de mim, também de mim. De você.

2. Foi citado que a questão da sustentabilidade ganhou força quando passou a ser exigida pelo Mercado. A questão ética não foi suficiente para mobilizar a sociedade?

Isso é apenas minha opinião: sinto que infelizmente, não. O que vejo são muitas empresas e instituições movidas pelo interesse e necessidade de se aproximar de uma tendência de mercado, atender a normas e especificações, muito ditadas por movimentos dos investidores ou consumidores. Percebo-as vivendo um movimento reativo, de promover mudanças apenas quando já não podem mais evitá-las. Imagino que se a mudança estivesse acontecendo pela ética, seria dessas de dentro pra fora; com compromisso e orgulho da prática, partiria de um alinhamento de intenção com indicadores de metas e bônus e se construiria provavelmente através de processos mais resolutos e ágeis. Pode acontecer, vibremos! Mas não é o que observo.

3. A palestrante disse que sabe desse tema há pouco tempo. As empresas também parecem saber pouco sobre desse assunto. Como resolver essa lacuna?

O jeito que tenho encontrado é estudando, buscando ativamente informação, lendo os objetivos, as metas e os indicadores, acompanhando fóruns sobre o tema. O Pacto Global promove alguns eventos e encontros entre organizações engajadas nos ODS, por exemplo. Também movimentos independentes focados na ação individual como o Imagine2030 são fonte de aprendizado sobre essa agenda. Também os encontros de conversas e trocas entre pares, colegas e familiares sobre o assunto impulsionam o aprendizado e geram mais familiaridade com a agenda. Promover essas trocas e eventos/momentos de aprendizado internamente é muito potente. O próprio site da Agenda2030 tem informações interessantes!

4. Quais os benefícios que a priorização e alcance dos ODS podem proporcionar ao mundo corporativo?

Podem gerar de forma imediata aumento da saúde física e mental de colaboradores, maior engajamento e identificação com a empresa, retenção e atração de talentos, perenidade dos negócios mantendo vivas as operações em um mundo cada vez mais desafiador. Além disso, constrói coerência entre prática e posicionamento, valor de marca, senso de propósito ao colaborar para manter boas condições de vida no planeta (o que é vital para os negócios e para as pessoas que dão vida a ele). Gera também reconhecimento para a empresa como inovadora, agindo com coragem em consonância com um movimento global, mostrando-se estar alinhada com o espírito de seu tempo.

5. Parabéns pela palestra, Fernanda. Uma pergunta: Qual a relação entre os ODS e o propósito das empresas? Obrigada!

Normalmente o propósito das empresas traz um senso de missão, de razão de existir, que vai além do resultado financeiro e considera um sentido mais amplo de legado e contribuição da empresa para a sociedade. Assim, a relação entre propósito e ODS deveria ser total. Os objetivos de desenvolvimento sustentável apontam para o futuro que precisamos construir coletivamente e representam um grande desafio. Todos os temas relacionados à preservação da vida e às pessoas vivendo bem estão lá. Ao colocar seu propósito em prática, as empresas devem considerar essa agenda 2030 como um direcionador por sua referência direta ao que precisamos fazer (um plano!) para os próximos anos e também por ser algo criado refletindo diretamente as urgências e maiores problemas de agora. Também os propósitos individuais das pessoas dentro dessas empresas (querendo também cada vez se manifestar no dia a dia de trabalho) passam pelo que propõem os ODS.

6. O alcance dos 17 ODS de forma integrada e indivisível até 2030 será de fato um grande desafio. Pergunto: Como pensar numa priorização dos ODS relativos à igualdade de gênero, saúde e bem-estar, educação de qualidade em um país, como o Brasil , onde a misoginia, o machismo e o sexismo se apresentam cada vez mais presentes nos diversos tipos de relações?

De fato o desafio é grande. Eu considero que alcançar os ODS passa por uma mudança cultural. Uma mudança de valores que pautam decisões e relações, mudança de visão de mundo e modelo mental recolocando as pessoas como parte da Natureza e não mais como superiores a ela (os povos originários, as mais de 300 etnias indígenas do Brasil hoje, são grande referência para isso). Passa por uma transição de uma cultura de violência (agressões, guerras, punição, vinganças, perseguições, notícias falsas, medo) para uma cultura de paz (diálogo, pluralidade, transparência, colaboração, integralidade, relações, redes, confiança, aprendizado, acolhimento)… É um desafio grande porque cultura é algo que nos atravessa a todos, todos nós somos parte, vivemos aprendemos reproduzimos. Somos parte dela e também a alimentamos. O desafiador de mudar a cultura é que para isso é preciso mudar as pessoas individualmente. As pessoas mudarem. Eu mudar. O desafio percebo que é mudar a gente mesmo. É eu querer mudar, querer ouvir, querer aprender junto. É eu escolher desconstruir o machismo em mim e a partir de mim. Cada um de nós.

Essa é minha intenção e a minha prática, que faço com compromisso e alegria porque isso tenho poder total pra fazer sozinha, o que é muito. Porque vivemos em relação (com o mundo, uns com os outros, com a gente mesmo) e a minha escolha de não aceitar violências contra as mulheres, nem de “brincadeira”, repercute e inspira e provoca outras pessoas ao meu redor! Para algumas pessoas, sou exemplo. Eu sei que é assim porque aprendi e me transformei a partir do exemplo de outras pessoas que conheci na vida ou nas redes.

Acredito nessa abordagem a partir do indivíduo, de que pessoas que se sentem chamadas por essa causa possam atuar como construtores de mudança a partir de si mesmas. Agindo local, nas suas relações e em seus territórios. Porque somos muitas pessoas nesse movimento! Só estamos espalhadas. Tem uma de nós em cada família, em cada empresa, em cada time, em cada igreja, em cada bairro, em cada academia! Esse fazer individual conta muito. E nem precisa vir de todo mundo. Não será necessário que todas as pessoas mudem. Nunca precisou de todo mundo para nada. Só de pessoas o suficiente… chega uma hora que tem um ponto de virada de mudança de cultura! E aí, a realidade é outra #ods5 igualdade de gênero

E não acho que o machismo, a misoginia e o sexismo estão cada vez maiores. Acho que temos agora vocabulário para nomear e repertório para reconhecer situações como machismo e sexismo que antes passavam como normalidade, como engraçado… Acho que hoje é possível perceber mais facilmente essas situações, fala-se mais das múltiplas violências contra as mulheres e é possível reconhecer essas violências próximas a nós. Em histórias que todo mundo conhece ou viveu. Mas até os anos 70 era contra lei mulher jogar futebol e a mulher não tinha direito à herança, aos filhos, a voto, a voz, a nada… Era bem ruim antes também. A mulher vem sendo violentada há muitos e muitos séculos. Acontece que agora é apenas mais perceptível.

Considero que a questão é mesmo urgente e todos nós temos muito que podemos fazer para desconstruir essa realidade. O desafio mais uma vez está em mudar a gente mesmo. #ods16 paz justiça e instituições fortes

7. Os ODS são definidos como objetivos de Desenvolvimento sustentável os quais são distribuídos em assuntos bastante impactante na sociedade num geral. No currículo escolar brasileiro existe alguma proposta para inserir tais importâncias e ensinamentos para as crianças e jovens ?

Sim, a Agenda2030 já é conteúdo do currículo escolar para parte das crianças e jovens do Brasil. Muitas escolas particulares trabalham o tema com crianças do ensino fundamental e jovens do ensino médio, algumas trazendo os ODS como estrutura que permeia todas as disciplinas. A Prefeitura de São Paulo incluiu o tema no currículo do ensino fundamental das crianças da cidade.

Como cada Estado e cada Município tem autonomia para incluir temas em seus currículos, vai da iniciativa de cada governo a inclusão da Agenda como tema. Vale procurar se na sua cidade/estado o tema já está inserido na educação pública :) Vale perguntar na escola particular de seus filhos se o tema é abordado. Caso não seja, dê essa sugestão!

8. Como podemos acompanhar o teu trabalho pelas redes sociais?

minhas redes:

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Imagine2030 (que empreendo):

https://www.instagram.com/imagine2030/

Rede Brasil do Pacto Global da ONU:

https://www.instagram.com/pactoglobalbr/

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Fernanda Cabral

ativista comunicadora e empreendedora mineira, curiosa e tagarela de nascença. vive o que acredita, escreve porque transborda.